Em operações por busca de drogas, a Polícia Militar no Brasil praticamente torna imune às abordagens casas de bairros mais ricos e brancos. Por outro lado, 85% dessas entradas em domicílios se realizam em bairros de maioria negra. E 91% em bairros com renda domiciliar mensal de até um salário mínimo e meio por pessoa. Os dados são do estudo Entrada em domicílio em caso de crime de drogas: geolocalização e análise quantitativa de dados a partir de processos dos tribunais da justiça estadual brasileira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
De acordo com pesquisador da instituição Rafael de Deus Garci, o motivo pelo qual acontece essa seletividade está associado com o histórico do policiamento e colonial de um país dividido em termos de acesso e conquista de direitos. “E que se reflete nesse policiamento intimidador de celulares, domicílios etc, que é operacionalizado em nome da guerra às drogas”, explicou ao repórter Jô Myagui, do Seu Jornal, da TVT.
O levantamento – feito em Brasília, Manaus, Fortaleza, Curitiba e Rio de Janeiro – mostra que quando os policiais estão com um mandado judicial, os números se equilibram: 35% dos alvos são negros e 30% são brancos. Mas, sem determinação judicial, a seletividade racial é desproporcional. Pelo menos 46% das entradas são em casas de pessoas negras e 22% nas de brancos.
Para o advogado e ativista Dojival Vieira, os dados mostram que “não se pode falar em segurança pública com polícias que entram nos bairros pobres sem mandado judicial”. “Na verdade, nós sabemos perfeitamente que, em São Paulo, e qualquer outra cidade do país, a Polícia Militar está acostumada a ingressar em bairros pobres e da periferia e arrombar portas. Mandado de prisão é uma formalidade que não se cumpre em bairros pobres”, contesta.
Os entrevistados também avaliam que os números da pesquisa reforçam o que já se sabe sobre a atuação policial. E mostram que é preciso mudar a polícia e a política de combate às drogas.
“Nós temos o direito constitucional, que é o direito à inviolabilidade domiciliar, garantido para uma determinada população, que é praticamente imune ao policiamento domiciliar. Enquanto outra parte da população é submetida a esse policiamento rotineiro, como regra de política criminal e não na lógica excepcional que a Constituição traz. A Constituição até autoriza a entrada em domicílio em caso de flagrante, mas em nível excepcional. Porém, dentro da política de drogas, isso se tornou algo corriqueiro, uma regra”, critica o pesquisador do Ipea.
“E, na verdade, a Justiça deve ser esse fator de equilíbrio, coibindo a repressão indiscriminada e a arbitrária que é a prática cotidiana. Para fazer com que cada cidadão seja tratado em igualdade de condições. Afinal de contas, nós estamos em uma República. Mas quando o Estado brasileiro tem esse grau de comportamento e violência contra as populações vulneráveis, fica demonstrado que nós estamos ainda longe de termos uma República, direitos iguais para todos”, completa o advogado.