A Câmara dos Deputados aprovou na noite de hoje (30) o Projeto de Lei (PL) 490, que legitima o chamado marco temporal. A tese exclui a possibilidade de demarcação de terras indígenas daqueles que não estavam nelas em 1988. Na prática, abre espaço para avanços do agronegócio e da devastação sobre territórios originários. “Esse PL pretende matar a mulher mais velha da humanidade, a Terra”, defendeu a liderança indígena, deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG). Contudo, a visão dos indígenas que se levantaram durante todo o dia pelo país foi ignorada.
O governo, em bloco, votou contrário à tese, bem como a minoria e outros blocos de partidos que englobam PT, Psol, Rede, PCdoB e PDT. Liberaram a bancada MDB e PSB. No fim, o placar ficou em 283 pelo sim e 155 pelo não. Houve uma abstenção. A matéria agora será encaminhada ao Senado Federal, onde não deverá contar com tramitação acelerada, como na Câmara.
“Este é o projeto da morte, do atraso e do retrocesso. É o lucro sobre a vida humana. Nosso povo indígena já foi vergonhosamente explorado, massacrado, escravizado e assassinado. Esse PL quer acabar de novo com os direitos, promover a injustiça e legalizar a violência. É um crime. Esse projeto vai aumentar o desmatamento e comprometerá metas climáticas em nível global”, disse a deputada Juliana Cardoso (PT-SP), que também é indígena.
Enquanto as vozes dos povos originários ecoou pela Câmara, parlamentares da bancada ruralista, parte da extrema direita, outra do centrão, vaiavam os que defendiam os povos da floresta. “Esse projeto é uma vergonha. Pergunto para a bancada ruralista que me vaiam. Se topam um marco temporal para os grileiros. De um lado, tem o interesse no desmatamento, de destruir as florestas, da poluição nos nossos rios, do garimpo em terras indígenas. Do outro, de quem tem compromisso com o meio ambiente e com as próximas gerações”, disse o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP).
Pela tese, só deverão ser reconhecidas as terras ocupadas pelos povos originários até o dia da promulgação da Constituição, no dia 5 de outubro de 1988. Entidades como o Ministério Público Federal (MPF) e até mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU) já criticaram a tese do PL. “O absurdo está perdendo a modéstia. A sanha de colocar estacas das cercas no coração dos brasileiros está aqui. Essa matéria sequer deveria estar aqui. Os indígenas, arrancados em seus territórios, é como se fossem invisíveis. Buscam fazer com que o povo brasileiro carregue as cicatrizes dos cascos da boiada. Queremos a tinta de urucum”, disse a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Já o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) defendeu pela ilegalidade da matéria. De acordo com o parlamentar, o marco temporal é ilegal e será combatido no Senado Federal e no Supremo Tribunal Federal (STF). “É só ler a Constituição. Mostre aonde ela fala de marco temporal? Quem fala disso é essa lei ordinária com tons racistas. Onde uma lei ordinária pode contrariar a Constituição? Nem aqui nem na China que vocês odeiam mas querem todos os produtos. Há um claro ódio ao povo indígena, sua cultura, concepção de produtividade e sobrevivência. Querem passar o trator, a violência sobre 305 povos nativos que falam 274 línguas e uníssonos no direito à terra. Esse projeto é uma farsa imoral.”
Célia Xakriabá prosseguiu com as críticas ao PL. “Aqui aceleramos o conflito e o genocídio. Estamos dizendo que em 2019 foram 135 lideranças indígenas assassinadas. Semana que vem, faz um ano da morte de Dom e Bruno. Estamos aqui para dizer que são 15 projetos que pretendem, inclusive, abrir os povos indígenas isolados voluntariamente. Querem estuprar nosso território. Se vocês não estão sensibilizados, vamos morrer.”
Já a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), lembrou do aquecimento global e que os indígenas são aqueles que mais preservam as florestas em pé. “A Câmara dos Deputados envergonha o Brasil e o mundo. Todos se preocupam com essa matéria. Tem impactos nas gerações futuras. Vivemos uma emergência climática. Os povos indígenas são os maiores defensores do meio ambiente. Agora aprovam a absurda tese do marco temporal, porque os povos indígenas são obstáculo para quem destrói o meio ambiente. O projeto possibilita hidrelétricas em territórios que deveriam ser preservados. Não consideram indígenas expulsos de suas terras. Não são conflitos. São assassinatos, perseguição, genocídio que marca a história do nosso país.