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Criminalizar má conduta científica pode desestimular pesquisa, aponta debate

Cientistas ouvidos no Senado na quarta-feira (25) criticaram o projeto de lei que propõe criminalizar a má conduta científica e prevê pena de prisã...

25/09/2025 às 17h51
Por: Redação Fonte: Agência Senado
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Teresa Leitão comandou o debate entre Denise Pires de Carvalho, da Capes, e Renata Aquino, da UnB - Foto: Andressa Anholete/Agência Senado
Teresa Leitão comandou o debate entre Denise Pires de Carvalho, da Capes, e Renata Aquino, da UnB - Foto: Andressa Anholete/Agência Senado

Cientistas ouvidos no Senado na quarta-feira (25) criticaram o projeto de lei que propõe criminalizar a má conduta científica e prevê pena de prisão de três a cinco anos, mais multa, para práticas como falsificação de dados, plágio ou manipulação de resultados em pesquisas. Para eles, a medida poderá acabar desincentivando a pesquisa científica e aumentando a judicialização.

O objetivo da proposta ( PL 330/2022 ) é garantir mais transparência e responsabilidade na produção científica brasileira, segundo seu autor, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR). O relator na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) é o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

Liberdade acadêmica

A presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Bonciani Nader, registrou sua preocupação em relação ao projeto. Ela disse que a ciência é uma atividade que trabalha com incertezas e defendeu que erros metodológicos ou discordâncias entre grupos não devem ser tratados como crimes.

— A motivação do projeto é legítima. Episódios graves como da proxalutamida [medicamento sem eficácia comprovada] no Amazonas mostraram falhas sérias do cumprimento de protocolos de pesquisa e impactaram a vida de centenas de pessoas. Esses casos precisam sim de investigação rigorosa e responsabilização mas, no nosso entender, a solução apresentada pelo PL 330 não é a mais adequada, nem a mais eficaz.

Ela também disse que a ciência testa hipóteses, que resultados científicos podem divergir sobre o mesmo assunto e que análises estatísticas podem ser interpretadas de diferentes formas, por exemplo.

— O risco é criminalizar a própria prática científica, inibindo a inovação e a criatividade.

Helena Nader explicou que o Brasil já tem diversos mecanismos de fiscalização do trabalho científico, como a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) — vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) —, responsável por avaliar os aspectos éticos das pesquisas com seres humanos, e o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal.

Ela explicou que essas instituições exigem que as pesquisas científicas no Brasil respeitem a dignidade e a autonomia dos participantes, reconhecendo sua vulnerabilidade, equilibrando riscos e benefícios e priorizando a minimização de danos e a prevenção de prejuízos previsíveis. Além disso, precisam demonstrar relevância social e garantir que o conhecimento produzido tenha valor humano e coletivo, acrescentou.

— O que precisamos não é de prisão para cientistas, mas sim de fortalecimento institucional. (...) Não se trata de relativizar a gravidade da má conduta científica, mas de encontrar o caminho correto para combatê-la.

A cientista também afirmou que o direito penal deve ser reservado a situações extremas de dolo e dano comprovado e que, para todos os outros casos, os mecanismos existentes são suficientes, porém precisam ser valorizados e fortalecidos.

— A ciência brasileira vive um momento crucial, recuperando investimentos, buscando atrair talento e aumentando sua presença internacional. Aprovar o projeto que criminaliza a pesquisa significará, no nosso entender, seguir na direção oposta, instalando o medo e a desconfiança dentro da própria comunidade científica. Por isso, manifesto nossa posição contrária ao PL 330 e recomendo que esta casa busque alternativas que preservem a integridade sem comprometer a liberdade acadêmica e o avanço da ciência no Brasil.

Método científico

Secretário substituto de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério de Ciência e Tecnologia, Osvaldo Luiz Leal de Moraes disse que a contribuição mais importante da ciência para a humanidade foi o chamado método científico.

— Por que o método científico é importante? Porque o método científico permite diferenciarmos quem é charlatão e quem usa um procedimento padrão para poder fazer as afirmações que faz. E isso tem muito a ver com essa audiência de hoje. E muitas vezes não é o cientista que é o responsável pelo mau uso da informação. Ontem, na Assembleia Geral das Nações Unidas, nós vimos uma pessoa defender que as mudanças climáticas são um charlatanismo. Nós tivemos, durante a pandemia, a defesa da cloroquina. Ou seja, muitas vezes o uso de quem faz, inapropriadamente, o uso da informação científica, talvez tenha que ser mais responsabilizado do que o próprio cientista. Mas não tem dúvida nenhuma de que a ética em ciência é importante. Não se discute quanto a isso.

O presidente substituto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Olival Freire Júnior, afirmou que o projeto de lei poderá causar “uma excessiva judicialização da atividade científica” e, ao invés de resguardar a sociedade e a atividade científica, poderá haver um freio à atividade científica.

— Eu, em nome do CNPq, gostaria por final de dizer que, nos termos em que a proposição está feita, ela não nos parece adequada, mas o espírito que presidiu a proposição, o Senado deveria encontrar, com apoio das entidades, formas de valorizar a educação do valor da ética e da integridade na produção científica.

Na mesma linha, a presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a professora Denise Pires, explicou que o Brasil respeita as regras e normas internacionais relativas à pesquisa científica com seres humanos.

— Me preocupa muito um projeto de lei que criminaliza os cientistas e a ciência num país que é referência mundial em integridade científica (...). A sociedade científica brasileira avançou muito nas últimas décadas e nós somos referência em várias áreas para o mundo, que continuemos assim entre os melhores cientistas do mundo e que o Brasil possa avançar cada vez mais com critérios éticos e de integridade.

O diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) Samuel Goldenberg afirmou que as universidades e demais centros de pesquisa do Brasil vêm fortalecendo suas políticas internas de controle, com a criação de comitês de integridade em pesquisa. Ele disse que a pesquisa clínica brasileira é baseada nos princípios de respeito, consentimento livre e esclarecido, beneficência, segurança e bem-estar dos participantes.

— A nossa discussão nesta sessão é sobre a criminalização da conduta científica. A criminalização da ciência pode gerar consequências nefastas. (...) A condenação de cientistas, além de contribuir para a distorção do debate público, pode reforçar discursos de negação e antagonismo à própria ciência. O negacionismo foi particularmente perverso durante a pandemia de covid19, quando protocolos sem comprovação científica de eficácia foram adotados, como o uso de ivermectina, hidroxicloroquina e a recusa vacinal, resultando na perda de milhares de vidas.

CCT

A audiência pública foi realizada pela Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) e conduzida pela senadora Teresa Leitão (PT-PE). Ela destacou que a questão ética é muito importante na ciência brasileira.

— Quando a gente tem um projeto assim polêmico, complexo e de ampla abrangência, a gente procura instruí-lo, ouvindo a sociedade, compilando esses diversos olhares para que a gente possa ter um parecer mais tranquilo, mais consistente e que contribua pra gente avançar. Nós passamos recentemente um período de muita negação da ciência. Isso trouxe prejuízos ao próprio conceito de ciência no Brasil. Então nós não podemos negar a validade, o trabalho que essas instituições fazem, o que têm produzido positivamente para o Brasil.

Também participaram do debate a decana de Pesquisa e Inovação da Universidade de Brasília (UnB), Renata Aquino; a vice-presidente-adjunta de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Márcia Teixeira; o gerente do Departamento de Infraestrutura de Pesquisa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), André Cabral de Souza; e a diretora da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Natália Trindade. Veja os vídeos . O presidente da CCT é o senador Flávio Arns (PSB-PR).

O requerimento para o debate ( REQ 25/2025 - CCT ) foi apresentado por Teresa Leitão para ouvir especialistas e representantes de instituições ligadas à ciência e à pesquisa. Segundo ela, o debate é fundamental para esclarecer dúvidas sobre o impacto da proposta, ouvir diferentes opiniões do setor científico e garantir que a legislação seja construída de forma democrática e participativa. Ela também destaca a importância de proteger a integridade das pesquisas e fortalecer a confiança da sociedade nos resultados científicos.

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