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Marco temporal e estrutura do governo Lula na pauta da semana da Câmara

Projeto de Lei que muda sistema de demarcação das terras de povos indígenas e parecer de relator de Medida Provisória que esvazia ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas têm forte resistência da sociedade

29/05/2023 às 08h44
Por: Redação Fonte: Rede Brasil
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Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Bruno Spada/Câmara dos Deputados

São Paulo – Dois temas que geram muita insatisfação na sociedade brasileira devem entrar na pauta de votação da Câmara dos Deputados nesta semana. Um deles é o marco temporal de demarcação de terras indígenas, previsto no Projeto de Lei 490/07 (PL 490/07), e o outro é a Medida Provisória 1154/23 (MP 1154/23), sobre a estrutura de ministérios do governo Lula.

De acordo com a Agência Câmara, a pauta oficial do plenário ainda não foi divulgada, mas o presidente da Casa, Arthur Lira, já anunciou que a análise do marco temporal deve ocorrer na terça-feira (30). O PL, que teve aprovada tramitação em regime de urgência, determina que só serão demarcadas as terras indígenas tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Pressa pra que?

A urgência foi aprovada sob protesto das bancadas do PT, Psol, PCdoB, PV e da Rede. A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) afirmou que a Câmara não deveria analisar a questão antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema. “O PL 490/07 quer transformar em lei a tese do marco temporal, que está prestes a ser julgada no STF. E ainda há 14 projetos de lei de retrocesso apensados a ele, abrindo os territórios dos povos indígenas de isolamento voluntário”, criticou. O julgamento no STF, marcado para 7 de junho, vai definir que a promulgação da Constituição deve ser adotada como parâmetro. O relator da ação, ministro Edson Fachin, votou contra.

A reação contrária também ganhou coro do deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ), que foi ministro do Meio Ambiente no segundo governo Lula. Segundo ele, foi formada uma “ampla aliança para usurpar direitos dos povos indígenas”. Já o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) pediu à Advocacia Geral da União (AGU) que revogue parecer enviado ao STF em 2017 e, portanto, construído em defesa dos interesses dos integrantes e apoiadores da gestão de Michel Temer (MDB).

Parecer do genocídio

O atual presidente do CNDH, André Carneiro Leão, afirma que a mudança de posicionamento é necessária já que o documento bate de frente com normas e legislações vigentes, incluindo a própria Constituição. Além disso, ele afirmou que é possível supor que o posicionamento vigente tem relação com a posição ideológica do governo da época. Órgãos ligados à defesa da demarcação de terras indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), referem-se ao parecer como “parecer antidemarcação” ou mesmo “parecer do genocídio”.

Na contramão de tantos argumentos contrários, o relator do PL 490/07, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), apela à insegurança jurídica para defender interesses de grandes latifundiários e mineradores.

Esvaziamento

Os povos indígenas também estão sob ataque na tramitação da MP 1154/23, que define a estrutura dos ministérios que compõem o governo Lula. A Medida Provisória precisa ser votada pela Câmara e pelo Senado até a próxima quinta (1º) ou perderá a validade. Uma comissão mista aprovou na quarta-feira (24) parecer do relator da MP, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), que alterou principalmente a estrutura dos ministérios dos Povos Indígenas e também do Meio Ambiente .

Pelo texto aprovado na comissão, a demarcação de terras indígenas deixaria de ser responsabilidade da pasta criada essencialmente para isso e passaria ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, como era no governo Bolsonaro. Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas deixaria de ser responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), que estará vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos; e pelos sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, que vão para o Ministério das Cidades.

Estrutura bolsonarista

As alterações foram duramente criticadas pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Na quinta-feira (25), ela acusou “uma parte dos bolsonaristas” de tentarem transformar a estrutura da Esplanada dos Ministérios da gestão de Lula “em uma estrutura bolsonarista”. “Neste momento a democracia continua sendo ameaçada, a política de meio ambiente é ameaçada, a política de direitos humanos está ameaçada”, continuou. “A melhor coisa que a gente faz é resistir, implementando o programa que o presidente Lula aprovou nas urnas.”

Um dia antes, Marina Silva havia dito que se o Congresso aprovar as mudanças propostas por Bulhões, a imagem do Brasil pode ficar comprometida no cenário internacional. “Não basta a credibilidade do presidente Lula, ou da ministra do Meio Ambiente. O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições, é a estrutura do governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas”, disse ela na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados.

Perplexidade e indignação

A titular da pasta do meio-ambiente também falou sobre a questão da demarcação das terras indígenas. “A proposta de retirada da demarcação de terras indígenas e da Funai do Ministério dos Povos Indígenas é um dos piores sinais”, afirmou. “Estamos dizendo que os indígenas não têm isenção para fazer o que é melhor para eles mesmo em relação a suas terras”, completou. Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, argumenta que as mudanças “só reduzem a proteção, seja da Amazônia, da Mata Atlântica ou do Cerrado”.

Quem também se levantou contra os dois temas foram mais de 80 entidades ligadas a ciência, tecnologia e inovação. Elas endossaram carta divulgada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O grupo disse ter recebido as alterações com “perplexidade e indignação” e cobraram que os senadores “detenham esse ataque ao meio ambiente, que hoje constitui o principal fator a fortalecer, no plano internacional, a imagem de nosso país. Também apelamos para que mantenham o respeito aos povos originários e a seus direitos, que a Constituição Federal consagrou”. Além deles, parlamentares governistas já falaram que poderão ir ao STF contra as mudanças da estrutura de governo.

Isnaldo Bulhões, defensor da MP, usa de argumentos genéricos para tentar remar contra a maré de críticas. Fala em “princípio constitucional da eficiência administrativa e da continuidade das políticas destinadas aos povos indígenas”. Sobre as alterações no Ministério do Meio Ambiente, mais generalidades.“Considerando que tal cadastro, de forma simples, é um registro público eletrônico nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, materialmente, entendemos oportuno e relevante que tal competência seja exercida pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos”, opinou.

Vini Jr. e Petróleo no Amazonas

Outros dois temas de grande repercussão estão na pauta da semana na Câmara dos Deputados. Na terça-feira (30), às 13h, os parlamentares debatem, em comissão geral, “ações e soluções para os reiterados casos de racismo ocorridos na Espanha contra o jogador de futebol Vinícius Júnior, que atua pela equipe do Real Madrid”. Vini Jr., como é mais conhecido, foi alvo de insultos racistas em um jogo do Campeonato Espanhol realizado no dia 21 deste mês.

Já na quarta-feira (31), a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável debate a ideia de explorar petróleo e gás na foz do rio Amazonas. A Petrobras está tentando conseguir uma licença para isso, mas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já emitiu uma nota técnica apontando fragilidades e riscos de autorizar essa exploração na região. “Na região, vivem comunidades tradicionais e povos indígenas que seriam severamente impactados pelas atividades petrolíferas, especialmente em situações de vazamento de petróleo que poderiam causar danos irreparáveis à natureza e às populações que dela dependem”, afirma o deputado Ivan Valente (Psol-SP), que pediu a realização do debate.

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