
A nova modalidade de consignado para trabalhadores do setor privado — que utiliza como garantia o FGTS — foi tema do debate promovido nesta quinta-feira (10) pela Comissão de Direitos Humanos (CDH). Os participantes alertaram para os riscos desse empréstimo — um deles declarou que o consignado "é um alívio imediato com alto custo futuro" — e ressaltaram que o FGTS tem de ser protegido.
O debate aconteceu a pedido da presidente da CDH, senadora Damares Alves (Republicanos-DF). Ela defendeu iniciativas práticas do Legislativo para minimizar os riscos desse tipo de empréstimo.
A senadora lembrou que foi contra a Medida Provisória 1.292/2025 , que instituiu o consignado com garantia do FGTS — chamado de Crédito do Trabalhador. O senador Rogério Carvalho (PT-SE), que foi relator da matéria, modificou o texto para incluir os trabalhadores por aplicativo entre aqueles que podem ter acesso ao consignado. Essa medida provisória foi aprovada pelo Senado no último dia 2 e aguarda a sanção da Presidência da República.
Defensor da educação financeira como matéria obrigatória nas escolas, o presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin), Reinaldo Domingos, manifestou preocupação com a facilidade de crédito para os trabalhadores, por considerar que muitos não têm conhecimento adequado sobre as consequências e riscos desse tipo de empréstimo. Ele considerou o debate na CDH um instrumento para incentivar a busca por consciência financeira, já que “a nova modalidade de empréstimo traz retrocessos severos à sociedade”.
Reinando afirmou que o público favorecido pelo Crédito do Trabalhador se divide em dois: aqueles que tomaram o empréstimo desde o início da possibilidade de contratação, em março, e os que apenas fizeram simulações de empréstimos, estimulados pela facilidade de acesso.
Segundo ele, a maioria das pessoas tomou esse crédito sem orientação, sem real necessidade e sem avaliar, por exemplo, o impacto orçamentário sobre a renda familiar ao longo dos meses. Reinaldo avalia que quem contratou esse empréstimo comprometeu pelo menos 30% de seus rendimentos, sem saber se vai conseguir quitar o compromisso e, ao mesmo tempo, manter o sustento da própria família.
— É um alívio imediato com alto custo futuro, o que é muito grave. [As pessoas] simplesmente clicaram no aplicativo e pegaram o dinheiro por ser imediato. E esse é um crédito muito venenoso porque muitos [brasileiros] já estão inadimplentes. Falta planejamento, já que as pessoas não estão educadas financeiramente, deixando o amanhã “por conta de Deus”. Claro que tudo é “por conta de Deus”, mas cada um de nós precisa fazer a sua parte.
Reinaldo sugeriu as seguintes medidas (que, observou ele, o Congresso Nacional poderia incentivar):
Representante da Defensoria Pública da União, Leonardo Cardoso de Magalhães salientou que informações claras e objetivas devem ser repassadas para os cidadãos, de modo que, ao aderir ao programa, as pessoas tenham pleno conhecimento de todas as cláusulas, obrigações e riscos para o rendimento das famílias. Para ele, também faz parte dos direitos humanos o cuidado com a facilitação de empréstimos que têm o FGTS como garantia.
Leonardo ressaltou que o FGTS deve ser protegido, já que esse fundo tem como finalidade legal gerar economia para o trabalhador — seja para adquirir casa própria ou assegurar condições para que o trabalhador se mantenha, entre outras possibilidades.
— É nesse sentido que precisamos trabalhar e pensar. As operações de crédito são fundamentais para a economia brasileira, o papel das instituições financeiras também é fundamental, mas temos de pensar também na questão dos direitos à informação e ao livre convencimento motivado para a assinatura desses contratos de empréstimos.
O presidente da Associação Brasileira de Defesa dos Clientes de Operações Financeiras e Bancárias (Abradeb), Raimundo Nonato de Oliveira Filho, deu um exemplo dos riscos com esse tipo de operação: ao contrair R$ 5 mil em um empréstimo, por exemplo, o indivíduo pode ficar devendo cerca de R$ 20 mil ao fim do contrato, em virtude das taxas de juros. Ele criticou a liberação de crédito para pessoas economicamente vulneráveis e disse ser contrário também ao uso do FGTS como garantia para essas contratações, “com cara de benefício”.
— Ter o FGTS como garantidor é o mesmo que o banco dizer: “Vou te emprestar o seu dinheiro uma vez, com juros de 4% ao ano, e você me paga 59 vezes [esse valor]”. Essa é a realidade que não podemos ignorar. Eu nunca vi um banco dizer que teve prejuízos, porque ele não tem. Ele lucra em cima da nossa desgraça — protestou ele.
Segundo Damares Alves, o Crédito do Trabalhador já movimentou mais de R$ 14 bilhões, distribuídos em 25 milhões de contratos. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que a maior parcela das operações (62,66% do total) está concentrada em tomadores que recebem até quatro salários-mínimos. A estimativa é que existam cerca de 3,8 milhões de contratos antigos, totalizando aproximadamente R$ 40 bilhões, e que grande parte desse montante deve ser transferida para a nova modalidade.
A senadora ressaltou que é um direito das pessoas contrair crédito. Ela avaliou, no entanto, que o resultado relacionado ao Crédito do Trabalhador não tem sido bom. Damares disse estar preocupada com a diferença entre a taxa anunciada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e a taxa efetivamente praticada. Ela afirmou que essa diferença é de quase 4 pontos percentuais, o que correspoderia a mais que o dobro das taxas cobradas a aposentados e servidores públicos.
— A decisão do Congresso Nacional quanto à MP 1.292 está tomada e é soberana, e esta comissão vai ajudar a fazer o programa dar certo. Mas a pergunta é: como o ministério explica essa discrepância na taxa média efetivamente praticada. Uma coisa foi anunciada, mas o que a gente está vendo, na prática, é totalmente outra — criticou Damares.
O secretário de Proteção ao Trabalhador do Ministério do Trabalho e Emprego, Carlos Augusto Simões Gonçalves Júnior, defendeu o Crédito do Trabalhador. Ao afirmar que esse tipo de consignado traz alívio ao orçamento das famílias, ele argumentou que a nova modalidade permite a troca de dívidas caras — como empréstimos pessoais sem garantia, cartão de crédito parcelado, rotativo do cartão e cheque especial — por um crédito com taxa de juros mais baixas. Segundo ele, as taxas de juros atuais tendem a cair para o trabalhador, já que o programa é realizado em etapas.
Carlos disse que o programa é transparente quanto às taxas e às obrigações, e que o Congresso Nacional aprimorou a medida provisória que instituiu o Crédito do Trabalhador. O texto aprovado pelos parlamentares prevê programas de educação financeira gratuitos e opcionais para apoiar os trabalhadores que aderirem ao consignado. Essas ações devem ser promovidas em parceria entre o Poder Executivo, instituições financeiras e a Dataprev, usando plataformas digitais, vídeos, podcasts e cartilhas de linguagem simples.
— E importante ressaltar a conquista do programa, e foi por isso que o Congresso Nacional sancionou a medida: [...] porque tem certeza de que ela traz alívio, organizando e trazendo espaço para a organização do endividamento no país.
O senador Jayme Bagattoli (PL-RO) criticou a exposição feita por Carlos Augusto Simões. O parlamentar declarou que o governo prejudica os trabalhadores ao permitir o comprometimento de até 35% dos salários com empréstimos. Ele defendeu a urgência da implementação da educação financeira e protestou contra o Crédito do Trabalhador, argumentando que as taxas de juros desse programa prejudicam os brasileiros.
— Vocês vão falir definitivamente [as famílias brasileiras]. Os bancos estão querendo resolver os problemas deles e já “saquearam” as pessoas com o cartão de crédito, no qual alguém que começou devendo R$ 1 mil já está em [uma dívida de] quase R$ 5 mil. Colocar uma taxa de 3,5% ao mês me faz sair daqui hoje indignado. Temos de protestar contra esse que é o maior dos absurdos — protestou ele.
Representado a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Ivo Mósca disse que os bancos estão preparados para essa modalidade de contratação de empréstimos e negou que o Crédito do Trabalhador seja uma nova forma de estimular o endividamento.
Na avaliação dele, o programa já nasceu com transparência e credenciais seguras, além de manter (para os trabalhadores que aderem a esse consignado) a garantia legal da quitação de dívidas anteriores.
— Na nossa visão, não há dúvida de que esse produto é altamente benéfico e vai trazer um respiro e uma redução das taxas de juros para esse cliente, que antes tinha a possibilidade de dar a garantia apenas do seu salário. [O Crédito ao Trabalhador] ampliou o acesso a todos os celetistas. Se ele tem parte da sua renda tomada, pelo menos [com o programa] ele o terá com uma taxa mais barata.
A diretora do Departamento de Gestão Estratégica e Informações do Ministério das Cidades, Paula Coelho da Nóbrega, explicou que o FGTS ajuda a assegurar todas as políticas do ministério, levando retornos indiretos aos trabalhadores. Segundo ela, embora a pasta ainda não tenha observado impactos quanto Crédito do Trabalhador sobre o FGTS, um grupo de trabalho tem acompanhado a execução do orçamento e a evolução desse fundo.

Senado Federal Plenário do Senado aprova quase 800 matérias em 2025
Senado Federal Senado aprova quase 800 matérias em 2025
Senado Federal Lei exige coleta de DNA de condenado a pena em regime inicial fechado